EU SOU O PÃO DA VIDA

JO 6.35-48

 

Pr. José Antônio Corrêa

 

INTRODUÇÃO:

 

1. Estamos iniciando uma série de estudos sobre a expressão "eu sou" no Evangelho de João, mais precisamente quando ela se refere às qualificações de Filho de Deus, como por exemplo nas frases: "Eu sou a ressurreição e a vida", "Eu sou a videira verdadeira", "Eu sou o bom pastor", etc.. É verdade que a referida expressão por algumas vezes em João, ocorre para designar de uma maneira mais contundente a divindade de Jesus, como em Jo 8.58 - "...antes que Abraão existisse, EU SOU", formando um paralelo com Êx 3.14, "...EU SOU O QUE SOU", onde Deus se dá a conhecer a Moisés. Não é deste "EU SOU" que estaremos falando, mas do "eu sou", seguido de uma expressão qualificativa!

 

2. Começaremos hoje com a qualificação: "Eu Sou o Pão da Vida", onde Jesus equipara-se ao principal alimento do povo de seu tempo. Deixando de lado a cultura judaico/romana, sabemos também, da utilidade do pão para nossos dias. Quem, pelo menos, não conhece o filãozinho nosso de cada dia? É verdade que hoje em dia, ele se tornou escasso, raro, nas mesas de muitos brasileiros, em virtude de seu alto preço, com o trigo, seu principal ingrediente, cotado em dólar. Porém temos consciência do significado do deste alimento imprescindível para nossa cultura.

 

3. A palavra "pão" vem dos termos hebraico "lechem" e grego – "artos", que significam "um composto de farinha, água e fermento, assado no forno", "alimento", "comida", "pão". Devido à sua grande utilidade, o pão era servido nas festas, nos banquetes reais, etc. Foi também um dos elementos utilizados na instituição da Ceia do Senhor, 1Co 11.23-24. Seu formato era arredondado, apresentando a forma de um prato, e para ser servido, deveria ser partido com as mãos e não cortado com facas como é o nosso costume.

 

4. Ao utilizar a expressão "Eu Sou o Pão da Vida", Jesus queria que seus discípulos vissem nele a única fonte de alimento para a alma. Assim como o pão era o principal alimento material dos judeus, Jesus é único alimento espiritual para o homem. Sem Jesus, a alma perece de fome espiritual! Hoje, queremos analisar o simbolismo do pão aplicado ao Filho de Deus.

 

I. COMO PÃO DA VIDA, JESUS DESCEU DO CÉU

VS.32-33, 51

 

1. Não podemos nos esquecer de um fato marcante para os israelitas, que foi o envio do maná, praticamente o único alimento utilizado por eles durante os quarenta anos de caminhada no deserto, quando deixaram o Egito em demanda à Canaã, a terra prometida. Pelos relatos bíblicos, podemos ver que este alimento vinha do alto, dos céus, misturado ao orvalho que descia sobre a terra, "14 E, quando se evaporou o orvalho que caíra, na superfície do deserto restava uma coisa fina e semelhante a escamas, fina como a geada sobre a terra. 15 Vendo-a os filhos de Israel, disseram uns aos outros: Que é isto? Pois não sabiam o que era. Disse-lhes Moisés: Isto é o pão que o SENHOR vos dá para vosso alimento", Êx 16.14-15.

 

2. Assim como o maná, no Velho Testamento vinha do alto, assim também Jesus desceu dos céus, da parte de Deus. É este o sentido dos vs.32-33, "Replicou-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu; o verdadeiro pão do céu é meu Pai quem vos dá. Porque o pão de Deus é o que desce do céu...".

 

3. Sabemos que a Palavra de Deus sempre se refere à habitação de Deus num lugar alto, nos céus:

 

a) Oração de Ana, 1Sm 2.10, "Os que contendem com o SENHOR são quebrantados; dos céus troveja contra eles. O SENHOR julga as extremidades da terra, dá força ao seu rei e exalta o poder do seu ungido".

 

b) Oração de Salomão, 1Rs 8.39, "ouve tu nos céus, lugar da tua habitação, perdoa, age e dá a cada um segundo todos os seus caminhos, já que lhe conheces o coração, porque tu, só tu, és conhecedor do coração de todos os filhos dos homens".

 

c) Reconhecimento de Davi, Sl 103.19, "Nos céus, estabeleceu o SENHOR o seu trono, e o seu reino domina sobre tudo".

 

d) Declaração de Jesus, Mt 5.16, "Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus". Veja ainda na oração do Pai nosso, Mt 6.9, "Portanto, orai vós deste modo: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome".

 

4. Assim como a Palavra de Deus descreve a morada de Deus como sendo nos céus, ela também diz que Jesus, o Filho, o Deus encarnado, deixou sua habitação nos céus, para residir juntos aos homens. Veja a palavra de Cristo em duas ocasiões:

 

a) Jo 3.13, "Ora, ninguém subiu ao céu, senão aquele que de lá desceu, a saber, o Filho do Homem que está no céu".

 

b) Jo 6.51, "Eu sou o pão vivo que desceu do céu..."

 

5. Um detalhe importante, e que não podemos deixar ainda de mencionar, é que após sua ressurreição, o Senhor retornou aos céus, de onde também virá, num tempo futuro, para arrebatar sua Igreja. Naquele dia, subiremos ao encontro com o Senhor, para estar para sempre em sua companhia:

 

a) At 1.2, "...até ao dia em que, depois de haver dado mandamentos por intermédio do Espírito Santo aos apóstolos que escolhera, foi elevado às alturas". Ver ainda os vs. 9-11, "9 Ditas estas palavras, foi Jesus elevado às alturas, à vista deles, e uma nuvem o encobriu dos seus olhos. 10 E, estando eles com os olhos fitos no céu, enquanto Jesus subia, eis que dois varões vestidos de branco se puseram ao lado deles 11 e lhes disseram: Varões galileus, por que estais olhando para as alturas? Esse Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir".

 

b) 1Ts 4.16-18, "16 Porquanto o Senhor mesmo, dada a sua palavra de ordem, ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta de Deus, descerá dos céus, e os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; 17 depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e, assim, estaremos para sempre com o Senhor. 18 Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras".

 

6. Sim Jesus veio dos céus inaugurando um novo tempo para o homem!

 

II. COMO PÃO DA VIDA JESUS É A GARANTIA DE SUPRIMENTO ESPIRITUAL

VS. 35, 51, 56-57

 

1. Lembre-se que o maná era o principal, para não dizer o único alimento dos filhos de Israel, quando estavam indo em demanda à Terra da Promessa. Durante quarenta anos, eles puderam ver cair do céu aquela substância branca, com a aparência de semente de coentro e sabor idêntico a bolo de mel, o suprimento diário para que não morressem de fome prostrados no deserto, Êx 16.31, "Deu-lhe a casa de Israel o nome de maná; era como semente de coentro, branco e de sabor como bolos de mel".

 

2. Sem o maná, certamente teriam desfalecido, morrido! Porém, um fato significativo, é que Jesus fez uma comparação entre o maná que caia dos céus, e a sua descida também dos céus, para estar entre nós. Se o maná era o único meio de sustento material, Jesus Cristo é também o único meio de suprimento espiritual para o homem! O homem sem Jesus carece de alimentação do alto, é acometido de uma fome espiritual sem precedentes!

 

3. É por esta razão que Jesus afirmou: "Eu sou o pão da vida; aquele que vem a mim, de modo algum terá fome, e quem crê em mim jamais terá sede", v. 35. Certamente, Jesus não está falando de saciar a fome e a sede físicas, mas nos fala sobre a fome e sede da alma, da qual todos os homens são dependentes. Há um vazio dentro de cada homem que só pode ser preenchido pelo Espírito Santo de Deus! Olhe como a Palavra de Deus se refere a esta fome incontida, que não pode ser satisfeita por meios puramente humanos:

 

a) Sl 34.10, "Os leõezinhos necessitam e sofrem fome, mas àqueles que buscam ao Senhor, bem algum lhes faltará". Ainda que os animais padeçam de fome, nós, como filhos de Deus, não teremos falta de nada!

 

b) Is 49.10, "Nunca terão fome nem sede; não os afligirá nem a calma nem o sol; porque o que se compadece deles os guiará, e os conduzirá mansamente aos mananciais das águas". Note o adverbio "nunca", o que nos traz a garantia do suprimento constante, ininterrupto.

 

4. Quando, no Sermão da Montanha, Jesus fala das bem-aventuranças do reino, garante que aqueles que possuem "fome e sede de Justiça", serão saciados. Certamente este anseio por uma justiça plena, divina, é uma das características daqueles que são filhos do reino, Mt 5.6, "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque eles serão fartos". Observe que Deus garante nosso suprimento, não à conta-gotas, mas com abundância – "serão fartos".

 

5. Um coisa é certa. Jesus é a nossa garantia de um suprimento espiritual abundante!

 

III. COMO PÃO DA VIDA, JESUS NOS GARANTE VIDA ETERNA

VS. 54-55, 58

 

1. O maná, um símbolo de Cristo, produzia vida apenas temporária naqueles que dele se alimentavam, v.49, "Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram". Observe a frase "...e morreram". Mesmo sendo o maná, um tipo de Cristo, não podia garantir vida permanente, vida eterna. É por esta razão que mesmo utilizando o maná como ração diária, os filhos de Israel de toda uma geração, com exceção de Calebe, Filho de Jefoné e Josué, foram enterrados no deserto, (Nm 32.11-12), Não era este alimento, diferente de outros alimentos que comemos hoje em dia para nos manter vivos!

 

2. Porém, Cristo, o maná verdadeiro dá vida ao mundo, e vida eterna, vs.32-33, "32 Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo: Não foi Moisés que vos deu o pão do céu; mas meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu. 33 Porque o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo". Ver ainda o v.54, "Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia".

 

3. Esta é a grande diferença entre o maná no deserto e Jesus Cristo, o verdadeiro Pão dos Céus! Somente nos alimentando de Jesus, é que podemos garantir a vida eterna. Quando Jesus disse aos seus discípulos que "comessem a sua carne e bebessem o seu sangue", v.54, não estava falando em termos literais, mas sim figurativos, representativos.

 

a) Admitindo que neste texto Jesus estava falando de sua Ceia, o que nos parece óbvio, claro, Ele não está ensinado que sua presença corporal se faz presente nos elementos da Ceia, como ensina a doutrina da transubstanciação (1). A Ceia do Senhor é apenas representativa, simbólica! Devemos fazê-la "em memória do Senhor", 1Co 11.23-25, "23 Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei: que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou pão; 24 e, havendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é por vós; fazei isto em memória de mim. 25 Semelhantemente também, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este cálice é o novo pacto no meu sangue; fazei isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim".

 

b) Porém, algo deve ficar claro, ou seja, através do novo nascimento, ingerimos Cristo para dentro de nós, na pessoa do Espírito Santo, 1Co 6.19, "Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, o qual possuís da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos?" Ou seja, a Ceia representa algo que já existe dentro do crente!

 

4. A vida eterna através de Jesus é alcançada pela fé:

 

a) Jo 3.15-16, "15 para que todo aquele que nele crê tenha a vida eterna. 16 Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna". A expressão "aquele que nele crê", tem a ver com a fé para salvação! A vida eterna somente é conseguida pela graça e através da fé, independemente das obras, "8 Porque pela graça sois salvos, por meio da fé, e isto não vem de vós, é dom de Deus; 9 não vem das obras, para que ninguém se glorie", Ef 2.8.

 

b) Jo 3.36, "Quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, porém, desobedece ao Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus". Observe que a fé para vida eterna não é uma fé seca, mas envolve obediência! Tanto é verdade que quem desobedece ao Senhor Jesus em relação aos princípios do reino, não é candidato à vida eterna, mas sobre ele estará permanentemente a ira de Deus!

 

c) João 5.24, "Em verdade, em verdade vos digo que quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna e não entra em juízo, mas já passou da morte para a vida". Temos aqui outro detalhe significativo quando pensamos em vida eterna: Antes de depositarmos em Cristo nossa fé para vida estávamos mortos. Contudo, a experiência de salvação com o Senhor nos transferiu, nos transportou, "da morte para a vida". Esta é a ideia de Paulo ao escrever aos efésios: "Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados", Ef 2.1.

 

d) 1Tm 1.15-16, "15 Fiel é esta palavra e digna de toda a aceitação; que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais sou eu o principal; 16 mas por isso alcancei misericórdia, para que em mim, o principal, Cristo Jesus mostrasse toda a sua longanimidade, a fim de que eu servisse de exemplo aos que haviam de crer nele para a vida eterna". A vida eterna é alcançada, não por qualquer mérito que possamos ter, mas graças à misericórdia e longanimidade de Deus para conosco. Nesta trecho de sua Carta a Timóteo, Paulo se coloca como sendo o "principal dos pecadores". Ele garante que alcançou a vida eterna graças ao favor de Deus, e não por qualquer merecimento de sua parte!

 

5. Somente em Cristo, o Pão da Vida, podemos alcançar vida eterna!

 

CONCLUSÃO:

 

1. Sendo Cristo, o Pão da Vida, cumpre-nos recebê-lo em nosso interior, através de uma fé obediente, característica daqueles que querem a vida de Deus! Esta vida, embora nos seja oferecida gratuitamente, tem um preço, o preço da renúncia! Aquele que não estiver disposto a renunciar tudo quanto tem não pode ser seguidor de Jesus, e desfrutar da vida eterna, Lc 14.33, "Assim, pois, todo aquele dentre vós que não renuncia a tudo quanto possui, não pode ser meu discípulo".

 

2. Porém, algo é claro. A vida que passamos a desfrutar em Deus é inigualável, e o que nos espera é grandioso, 1Co 2.9, "Mas, como está escrito: As coisas que olhos não viram, nem ouvidos ouviram, nem penetraram o coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam".

 

Notas:

 

A doutrina da transubstanciação, é uma doutrina católica, que aceita a verdade de que o pão e o vinho na eucaristia, se transformam no corpo e no sangue do Senhor. Um pouco semelhante à doutrina da transubstanciação é a doutrina da consubstanciação defendida pelos luteranos, que afirma que "a presença de Cristo está na eucaristia".