TEMA: Rompendo os Limites
Marcos 1. 40-45
por Kléber Nobre de Queiroz
José Antônio Corrêa
Introdução:
Se hoje, a lepra ainda traz consigo um estigma, um preconceito, um isolamento para
aqueles que a portam. No passado, a situação dos leprosos ainda era mais
aflitiva. Pois se hoje, em muitos casos a lepra tem cura. Naquela época era uma
doença incurável e que trazia sobre o leproso o isolamento físico, social,
emocional, e religioso, lançando sobre ele um fardo insuportável e permanente.
O
texto que nós lemos trata do encontro de Jesus com um desses personagens que
tinham por obrigação viver fora da cidade e distante de qualquer contato
humano.
Esse
encontro de Jesus Cristo com esse homem, e o que ele produziu nos revelam pelo
menos três facetas do caráter de Cristo, as quais nós somos chamados a
reproduzir nos nossos relacionamentos e na nossa vida na igreja e na sociedade
na qual estamos inseridos.
Jesus ouve o inaudível
A
condição dos leprosos era de completo isolamento àquela época e com certeza, a
sua voz nunca era ouvida; ou melhor, só era ouvida quando por obrigação tinha
que gritar: "Impuro! Impuro! Impuro!". Jesus é aquele que ouve a
nossa voz quando todos os ouvidos silenciaram, quando todos os amigos se
afastaram, quando a nossa voz ecoa em um deserto solitário.
Mas
a exemplo de Cristo, nós somos chamados a ouvir a voz dos esquecidos, dos
abandonados, dos condenados ao deserto silencioso e desolador, por uma
sociedade cada vez mais competitiva, injusta, desigual e desumanizadora;
dominada pela adoração ao Deus Mamom; em cujo altar, muitas famílias são
sacrificadas, muitos sonhos são abortados, muitas esperanças são imoladas;
devemos ouvir a voz daqueles que gemem de dor, daqueles que já não tem força
para expressar a sua dor; para que possamos imitar o exemplo daquele que indo
contra todos os padrões estabelecidos, ouviu o inaudível.
Jesus toca
o intocável
A
aparência desfigurada de muito leprosos, às vezes chega ao limite da
repugnância, por causa das ulcerações, da perda de membros, dos desfiguramento
do rosto. O Evangelista, Lucas, que era médico, ao descrever esse encontro de
Jesus com o leproso, é minudente, ao narrar que ele estava coberto de lepra. Já
não bastassem as leis cerimoniais, os trapos a que era obrigado a vestir, ter
que gritar todas as vezes que alguém se aproximasse "Impuro! Impuro!
Impuro!", ainda pesava contra este homem o estado avançado de sua lepra.
Para a sociedade, ele era o lixo humano que deveria ser colocado em algum
terreno fora da cidade, para que ali apodrecesse e se decompusesse em uma
agonia lenta e torturante. Era um farrapo humano, um andrajo, um resto de quem
ninguém ousava se aproximar. Mas, Jesus, não se deixa vencer, pelas convenções
humanas; pelos preconceitos e toda sorte de estigmas que são impostos, para vir
em socorro do homem na sua miséria pungente e angústia lancinante; para tocá-lo
e fazer desabrochar uma nova vida cheia de esperança e alegria. Há quantos anos
aquele leproso não era tocado? Ele era faminto de abraços; vazio, sequioso de
toques e gestos que fizessem ressuscitar em sua mente já entorpecida pela
agonia do exílio forçado, as imagens de um tempo em que foi abraçado, pela sua
mãe, tocado pelo seu pai, cingido pelos irmãos; as lembranças dos risos e das
brincadeiras com os amigos de um tempo que lhe parecia tão longe onde a sua
dignidade e imagem não estava jungida ao seu aspecto lacerado. Agora, depois de
todos esses anos que se arrastaram como séculos em sua vida. Novamente é
tocado; sem asco, sem enojamento, sem repugnância, porque Jesus é capaz de
tocar os intocáveis.
E
o exemplo e Jesus Cristo, vem de maneira instigante nos inquietar a respeito de
como nós temos nos colocado nas redomas das nossas igrejas; protegidos pelos
vidros fechados dos carros; alienados por uma teologia sem cruz; sem
discipulado e sem entrega; que nos impedem de levar aos desesperados de nossas
cidades, aos intocáveis, nossos gestos de afetos e toques humanizadores e
acolhedores.
Jesus ama o inamável
O
texto de Marcos é concludente quando diz que cheio de compaixão Jesus o tocou.
A expressão no grego é grandiloquente, literalmente ela diz que Jesus se
comoveu até às entranhas. As palavras usadas na língua portuguesa também são
ricas para descrever este sentimento: misericórdia e compaixão. Misericórdia é
a união das palavras miserê e cardia, que significa sentir a miséria, a
infelicidade, o infortúnio de outro. A palavra compaixão, significa sentir com;
pesar que em nós desperta a infelicidade, a dor, o mal de outrem; piedade,
pena, dó, condolência.
A
situação penosa dos leprosos, por causa da dor física, da dor psíquica, do
isolamento, muita vezes os levava ao suicídio. Ele haviam perdido o amor dos
outros, eles haviam perdido o amor próprio, eles haviam perdido a vida. Na
idade média quando a lepra era diagnosticada em alguém, antes do leproso ser
segregado, era realizado uma cerimônia fúnebre, como se morto ele já fosse.
Deveria vestir-se de preto e tocar um chocalho para que ninguém se aproximasse
dele. Nessa condição, era difícil que alguém pudesse lhes demonstrar amor,
afeto, sentimento. Mas, Jesus, não foi indiferente à dor; à condição; ao
sofrimento do leproso. Jesus se importou com ele, Jesus se comoveu no profundo
do seu ser com aquele homem e o amou, para tecer os fiapos de amor próprio que
ainda restavam àquele homem e restaurar nele a imagem e semelhança de Deus na
qual fora gerado.
Porque
Jesus ama o inamável
O
exemplo de Cristo, é desafiador, o amor cristão não pode ser seletivo, ele tem
de ser amplo o suficiente para alcançar os inimigos, e até aqueles que a
sociedade descartou, que o mundo desprezou. Aqueles cujo aspecto não nos atrai,
cuja aparência nos impulsiona ao afastamento, pois o servo não é maior que o
seu Senhor. E se Cristo amou aqueles que o mundo não julgava dignos de ser
amados não somos melhores do que Ele nem podemos fugir ao seu exemplo.
Conclusão:
Gostaria
de concluir com o testemunho de Cecílio Arrastia, um cubano considerado o
príncipe dos pregadores latinos, que no início do seu ministério trabalhou como
capelão em um leprosário em Porto Rico, ao descrever o que viu no primeiro dia
de seu ministério ali; ouçamo-lo: "Pela suave colina onde estava a capela,
caminhava um casal de mãos dadas. Ela era uma mulher loura, de pele muito
branca e limpa, brancura que se destacava ainda mais pela cor do seu traje. Ao
seu lado, um homem magro, de calças pretas e camisa branca, caminhando com
lentidão e dificuldade. Seu revelava as marcas da lepra. Há três tipos de
lepra: uma é a leonina, de lábios belfos, cara avermelhada, orelhas alargadas,
nariz engrandecido e chato. A outra é a chaguenta, de úlceras purulentas e
sangrentas. É uma lepra úmida e muito impressionante. A outra é a lepra seca,
adstringente, os tecidos desaparecem lentamente. Se vão os pavilhões dos
ouvidos, se perdem as falanges dos dedos, onde estava o nariz só resta um
triste orifício. Este homem sofria da lepra adstringente, Sua cara, seca como
pergaminho antigo, já havia perdido o nariz. Falaram, não muito longe de nós e
ao chegar ao pequeno ônibus, ela lhe deu um beijo e subiu ao veículo seguida
pelo Pastor Fernández Baddillo e deste que escreve.
Minha
curiosidade, sempre grande, se fez maior ainda, ao contemplar o que meus olhos
não podiam crer. O que queria dizer aquilo? Era verdade ou um delírio de meu
estado anímico depois de visitar pela primeira vez um leprosário.
Assim
que chegamos a Rio Pedras e nos despedimos daquela senhora, me foi explicado
aquele mistério. Vários anos antes aquele casal estava preparando o seu
casamento: eram noivos felizes, enamorados e cheios de sonhos. Se exigia em
Porto Rico um exame médico pré-nupcial. O dela foi normal. O exame do noivo
trouxe uma nota negativa: sofria de lepra. Devia ingressar no leprosário e ali
esperar sua morte. Ele ofereceu a ela a liberdade; sugeriu que rompessem o
compromisso; que refizesse a sua vida visto que tinha juventude e beleza
física. Só que ela tinha algo mais do que beleza física já que sua resposta foi
nobre em grau superlativo: não, casaremos, tu irás para o leprosário e talvez
te cures, eu te visitarei cada domingo, levarei os pratos favoritos e passarei
todo o tempo que puder ao seu lado.
E
ASSIM O FEZ. Quando a conhecemos havia estado visitando seu esposo por muitos
anos, cada domingo...
Porque
o contamos? Simplesmente, porque nunca temos visto do lado de cá do sol um amor
que se pareça tanto com o amor de Deus como o dessa mulher... Em Cristo, Deus
ingressou no leprosário cósmico que é este nosso mundo: infestado de chagas,
com tecidos que se desintegram, arrastando suas pernas de chumbo... Em Cristo,
se casou com pecadores e gente marginalizada para leva-la ao centro da
história... Em Cristo, Deus toca as chagas humanas, deposita um ósculo redentor
nos rostos deformados de suas enfermas criaturas e lhes dá uma esperança segura
de solidariedade divina... Em Cristo, Deus dissolve nossa densa, maciça,
massiva e desumanizante solidão."