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Nascida num sábado oito de setembro do ano 20 antes de Cristo, Maria de Nazaré tornou-se uma das personagens mais misteriosas e emblemáticas da história da humanidade. Através dos séculos, milhares de pesquisadores de várias correntes científicas e religiosas se dedicaram a pesquisar os segredos e mistérios da mulher que recebeu a dádiva de gerar, virgem, o filho de Deus na terra, Jesus Cristo. Uma obsessão tomou conta daqueles que se empenham em decifrar os enigmas que cercam a figura da Virgem Imaculada tocada pelo Espírito Santo. Com absoluta desaprovação e descrença do Vaticano, é cada vez maior o número de escritores e estudiosos em religião que questionam um dos dogmas mais sagrados da Igreja Católica: a virgindade da genitora do Messias. Além disso, sugerem que Cristo fazia parte de uma família numerosa, com muitos irmãos e irmãs.
A afirmação, capaz de produzir debates acalorados entre os mais de um bilhão de católicos no mundo, é respaldada em elementos surgidos em estudos de historiadores e teólogos. Nestes trabalhos, são fortes as referências de que Jesus, o representante enviado por Deus ao mundo para salvar seu rebanho, teria dividido a casa de José e de Maria com vários outros irmãos. Quatro homens entre eles, arriscam alguns. As discussões mais recentes, motivadas por indícios encontrados por especialistas em religião, apontam, no entanto, para a possibilidade de que algum desses irmãos tenha nascido de Maria. Ela que, segundo a Bíblia, a fé católica e os ensinamentos da Igreja, concebeu e deu à luz — desprovida de pecado — exclusivamente o filho do todo poderoso dos céus.
Boa parte dos argumentos que
alimentam essa possibilidade foi organizada por Pierre-Antoine Bernheim no
livro Tiago, irmão de Jesus,
lançado originalmente na França e publicado no Brasil pela Editora Record.
Bernheim causou polêmica ao reunir farta documentação e supostas provas de
que Tiago era irmão de sangue de Jesus. Especialista em estudos sobre a
origem do cristianismo, afirma ter feito “uma cuidadosa pesquisa”. Entre as
descobertas do autor está uma urna funerária localizada recentemente
Para
o ensaísta Duquesne, há certas passagens bíblicas que permitem pensar
Em meio a milagres
Outras referências importantes foram organizadas pelo ensaísta e escritor Jacques Duquesne, ex-diretor da revista francesa Le Point, no livro Maria – a mãe de Jesus, publicado por aqui pela Editora Bertrand. No capítulo Maria, mãe de família numerosa, ele faz pelo menos 11 referências bíblicas que colocariam para refletir até mesmo os que não admitem discutir a ideia por considerá-la sacrilégio. “Vale a pena reler inicialmente os textos do Novo Testamento que citam os irmãos e irmãs de Jesus. Eles são mais numerosos do que costumamos acreditar”, crava Duquesne. “Alguns evocam claramente a existência dessa irmandade”, completa o autor. Em primeiro lugar, cita um trecho do capítulo sexto do Evangelho de Marcos. Na passagem, Jesus ensina na sinagoga de Nazaré após ter realizado uma série de milagres. Impressionados, muitos perguntam quem é aquele homem. Duquesne então cita um trecho da Bíblia que reproduz as dúvidas de uma das testemunhas: “Não é este o carpinteiro, filho de Maria, irmão de Tiago, de José, de Judas e de Simão? E não vivem aqui entre nós suas irmãs?” Vida no templo
Em outro ponto, o autor
francês faz referência a mais um livro bíblico, o Evangelho de Marcos. Após
Jesus ter constituído seu grupo de discípulos, um deles lhe diz: “Eis que tua
mãe e teus irmãos e tuas irmãs estão ali fora a te procurar.” No Ato dos
Apóstolos há outro episódio no mínimo intrigante. Em um encontro depois da
ressurreição de Jesus, um dos apóstolos (“provavelmente Lucas”, sustenta
Duquesne) diz o nome dos presentes e acrescenta: “Todos perseveram
unanimemente na oração com algumas mulheres, entre as quais está Maria, mãe
de Jesus, e seus irmãos.” Antes de citar outras passagens, Duquesne afirma
que certos episódios bíblicos permitem acreditar que José e Maria tinham
relações conjugais. “Ela deu à luz seu filho primogênito”, escreve Lucas no
capítulo 2 de seu Evangelho, também incluído no livro. O termo “primogênito”
leva alguns autores a pensar que houve outras gestações de Maria após o
nascimento de Jesus Cristo.
Mais adiante, o francês se
refere ao anúncio de que Maria daria à luz Jesus, o filho de Deus, feito pelo
anjo Gabriel. Informa que José a recebe em sua casa. E, a partir daí,
reproduz as palavras do Evangelho de Mateus, dizendo que José “não a conhece
até o dia em que ela deu à luz um filho”. Conhecer, no sentido bíblico,
significa manter relação sexual. A frase, extraída do livro sagrado, reforça
a tese de Duquesne e de outros pesquisadores de que José e Maria efetivamente
se conheceram nos termos bíblicos, ou seja, mantiveram relações sexuais, após
o nascimento de Jesus Cristo.
Os dicionários mariológicos do Vaticano estimam que Maria
tenha concebido Jesus por volta dos 13 anos. Ela era muito bem informada
porque vivia em torno do templo — alguns escritos apócrifos sustentam que
morava dentro dele. Foi dada em casamento a José. Algumas teólogas belgas
foram colocadas em silêncio obsequioso por Roma depois de afirmarem que Maria
teria tido outros filhos em função de sua idade. Uma outra vertente destaca
indícios a partir do sentido simbólico. Na cruz, Jesus aponta para João e diz
a Maria: “Mulher, eis aí o teu filho.” E, em seguida, repete o gesto olhando
para João: “Eis aí a tua mãe.” O episódio, narrado no Evangelho de João,
seria uma celebração do apóstolo ao irmão. Duquesne reforça suas crenças
afirmando que, no momento da crucificação, pela sua gravidade, só se aproximariam
familiares diretos.
O teólogo e professor
universitário João Flávio Martinez, presidente do Centro Apologético Cristão
de Pesquisa e Evangélico Batista, diz que o texto bíblico de Mateus, nos
capítulos 12 e 13, traz versículos que falam que Cristo tinha quatro irmãos.
O pesquisador cita também a Lei Mosaica, ou Lei de Moisés, segundo a qual a
mulher era obrigada a cumprir todas as obrigações com o marido, “incluindo a
prática sexual.” Martinez defende seu argumento: “Se Maria não fez isso com o
marido, se tornou pecadora. Se ficou virgem a vida inteira, desobedeceu a
ordem do apóstolo Paulo sobre casamento. Era comum as mulheres terem nove,
dez filhos. Maria teve família numerosa, não há dúvida.” Na sua avaliação, muitos
defendem a “virgindade eterna” de Maria com o objetivo de “proteger a
divindade de Jesus”. O padre Jesus Erthal, reitor da PUC-Rio, discorda: “Não
existe dúvida sobre a virgindade perpétua de Maria”, diz. “Não existia
palavra para designar primo. Chamavam de irmão o filho do irmão do pai, por
exemplo. As versões que originam o equívoco, para mim, são traduções
equivocadas.”
O
padre Jesus Erthal, da PUC do Rio de Janeiro, conta que era comum chamar
Ao lado de Jesus
Maria é a primeira imagem de
força feminina. Foi a primeira mulher a batizar um filho, teve a coragem de
seguir seus passos e suportou com altivez os riscos e a perseguição. “Ela foi
uma transgressora”, afirma o teólogo Clodovis Boff, professor da cadeira de
mariologia social da Pontifícia Faculdade Mariana, de Roma. “Além de
questionar o poder exercido com exclusividade pelos homens, clamou pela
igualdade social. E representou uma contraposição ao modelo político
dominante no Império Romano”, completa o especialista, autor de um livro
sobre o tema, lançado este ano. Por tudo isso, as discussões em torno de sua
vida estão longe de se encerrar. |